A Censura e a Nação


Descobri há dias uma crónica de Octávio Cunha, que eu creio ter sido publicada no "Público". Este texto vem a propósito das pressões políticas que são exercidas sobre os jornalistas, cada vez mais às claras, principalmente agora, em tempo de eleições. A crónica foi escrita a propósito das pressões exercidas sobre José Rodrigues dos Santos, jornalista da RTP. Como vamos ver, é "doença" que nos ataca desde há muito tempo. Quem tem poder não gosta de o exercer só pela metade, quere-o na totalidade. Cabe-nos a nós impedi-lo e não é nada fácil, como alguns já verificaram.

"A Censura e a Nação

Não conheço pessoalmente José Rodrigues dos Santos. Tenho a certeza que é um bom profissional e uma pessoa inteligente. Alguns, perturbados com a sua maneira de ser, melhor dizendo, de transmitir a verdade, estarão inquietos. No fundo parece-me (só me parece) que o jornalista Rodrigues dos Santos esteve a ser vítima de uma tentativa de «domesticação», no sentido de respeitar «os mais altos valores da nação»! Gostava de estar enganado mas vejamos a nossa tradição. Em 1539, cinquenta anos após a impressão do primeiro livro que se saiba ter sido publicado em Portugal, o "Tratado de Confession", impresso em Chaves a 8 de Agosto de 1489, aparece o primeiro livro censurado, "O Ensino Cristão".

A 2 de Novembro de 1540, o inquiridor-geral, Infante D. Henrique, confia a censura a três dominicanos e a 29 de Novembro de 1540 o inquisidor João de Melo legisla neste sentido: «Que não deviam imprimir cousa alguma sem primeiro mostrarem aos censores nomeados, sob pena de execução e de dez cruzados de multa para despesas da Inquisição.» A partir daí poucos são os momentos em que a censura deixa de existir.

Curiosamente, e tal como no longo regime salazarista, a 13 de Fevereiro de 1821, no primeiro Parlamento português, o deputado Anes de Carvalho justificava a censura com a seguinte argumentação: «A Nação não está preparada, nem pela opinião nem pela instrução, para tamanha largueza de liberdade...»

Em 1933, o artigo 3º da Constituição diz textualmente: «A censura terá somente por fim impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social e deverá ser exercida de forma a defendê-la de todos os factores que a desorientam contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade.» Em 1944 a Direcção dos Serviços de Censura de Instruções diz o seguinte: «Parece desejável que as Crianças Portuguesas sejam cultivadas não como cidadãos do Mundo, mas como Crianças Portuguesas que mais tarde já não serão Crianças, mas continuarão a ser Portuguesas.»(!)

Mais recentemente, a 29 de Outubro de 1984, o então presidente de gerência da RTP determina no ponto 2 da Ordem de Serviço nº 59: ... «Após esse visionamento deverá o funcionário que a ele tiver procedido elaborar um breve relatório sobre o filme, em que informe, sob a sua responsabilidade, qual o tema de que trata e se contém imagens ou textos susceptíveis de ofenderem os telespectadores, tendo em conta os valores morais por que se rege a maioria dos Portugueses.»

Curiosa coisa é o modo como a história se repete. Assim, por ironia do destino, dos que persistem em chamar à estupidez destino, nestes anos de 2007-2008 tudo parece recomeçar: Ou será que nunca parou?

Apetece-me mesmo, dirigindo-me a todos os censores, dedicar-lhes este bocadinho de Gil Vicente:
"Que quem tem vida gaiada
Como vós da vossa sorte
Por vós é cousa provada
Que quem tem vida cagada
Cagada há-de ser a morte"
Octávio Cunha
(os destaques são da minha responsabilidade)

Como se verifica a história repete-se e para tudo há sempre uma maldita justificação para enrolar os incautos. Tudo isto, sempre "A Bem da Nação". Tudo se faz nas nossas "barbas", sem que tiremos as devidas consequências: somos uma manada de "mansos".

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