Credibilidade, Autenticidade, Justiça


A Democracia para sobreviver tem de respirar, credibilidade, autenticidade e justiça. É isto que nos é servido na nossa jovem democracia de 35 anos? Não? Então de que estamos à espera, de milagres? É fácil dizer que somos todos responsáveis, mas não é directamente verdade. Somos todos responsáveis porque somos uns "mansos" que não tiramos as devidas consequências das opções de voto que tomamos. Aparecem sempre 1001 justificações para mantermos o mesmo sentido de voto apesar de sistematicamente sermos tratados como "tolos", "idiotas", "broncos", "acéfalos" ou qualquer outro nome. O nome aqui não interessa, interessa sim que quem se propõe representar-nos nos tomam sempre por parvos e acreditam (têm razões para acreditar) que bastam umas "loas" quaisquer para voltar a ordenhar as mesmas tetas. Nós, portugueses, temos uma "tara" que nos atrai para os aldrabões como as borboletas nocturnas são atraídas para a luz, isto é fatal e não é só para as borboletas. Onde estão os valores que nos deviam guiar na hora de escolher? Temos uma democracia que vai morrendo asfixiada e nós, lamentavelmente, assobiamos para o lado.

São José Almeida escreveu no público de 4 de Abril de 2009: A Justiça é o Pilar da Democracia.

"A convite da agência de comunicação Cunha Vaz & Associados, o responsável pela campanha eleitoral de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos da América, David Plouffe, proferiu uma conferência, esta semana, em Lisboa. O homem que coordenou a eleição de um outsider da política tradicional para a presidência dos EUA explicou a receita do sucesso. A opção por uma campanha baseada na proximidade das comunidades e não na hierarquia políticos-cidadãos. O uso das novas tecnologias de comunicação em rede, deixando de dar primazia à comunicação tradicional. E muita organização, é claro.

Mas David Plouffe fez questão de não escamotear um factor decisivo da vitória e sem o qual de nada servia toda a genialidade organizativa, nem toda a capacidade de potenciar os novos meios de comunicação em rede. “A 'autenticidade’ continua a ser a chave” de uma vitória que surgiu de “um conjunto de 'circunstâncias’”, entre as quais Plouffe destacou a “crise de liderança”, que fez com que “muita gente” ficasse “desligada da democracia”. Assim, segundo o seu director de campanha, Obama “fez as pessoas acreditar de novo”. As palavras de David Plouffe são cristalinas sobre o que de facto determinou a vitória do politicamente neófito Barack Obama. Fez as pessoas acreditar que é possível governar democraticamente, de acordo com a defesa do interesse público, em nome de todos os cidadãos. E que é possível fazê-lo sem ceder a interesses privados, a grupos de pressão.

O financiamento, porta a porta, da campanha de Obama é exemplificativo do grau de ruptura com a política tradicional, neste caso, com um dos cancros das democracias actuais, o financiamento dos partidos. Os políticos portugueses e as restantes elites que têm responsabilidades na gestão do Estado deviam reflectir no que disse o director de campanha de Obama. Não tanto para aprenderem truques de propaganda, nem sequer para perceberem como se usam os novos meios de comunicação em rede. As palavras de Plouffe valem como referência sobretudo pela forma como ele salientou a importância da ruptura com a política tradicional e da reconquista dos cidadãos norte-americanos para a democracia. É que o descrédito da democracia, enquanto sistema político que melhor garante o Estado de Direito, não é um problema só dos Estados Unidos. Ele avança de forma galopante em Portugal.

Para o cidadão que procura perceber a forma como é gerida a coisa pública em Portugal, a imagem que passa é a de que se instalou a loucura ao nível do aproveitamento do aparelho de Estado para satisfazer guerras de poder. Instala-se a ideia de que a Justiça está a ser utilizada por forças desconhecidas, que se movem por interesses difusos. Está a ser abalada a convicção no princípio democrático de que a Justiça é igual para todos.

O que tem acontecido em torno do caso Freeport é próprio de um qualquer regime político sem regras e sem ética. A propósito de um eventual caso de corrupção, uma série de acontecimentos, muito provavelmente sem ligação entre si, tem engrossado uma bola de neve que ameaça implodir a credibilidade do sistema democrático, de que um dos principais pilares é precisamente o sistema de Justiça. Primeiro, já o dissemos, o facto de estar em causa um problema de corrupção era suficiente para a investigação não se ter arrastado. Mas, como se não fosse suficiente isto, têm-se multiplicado as desconfianças sobre este caso. E temos uma investigação a decorrer sobre a qual existem já três investigações (fugas de informação para o semanário O Independente em 2005, fugas de informação actuais e pressão sobre magistrados). O que é uma situação anómala que vem somar-se a outros casos de investigação judicial que deixaram fortes reservas na opinião pública quanto à confiança a depositar na Justiça portuguesa. A existência de acusações de corrupção alegadamente feita por um dos arguidos do caso Freeport, Charles Smith, a José Sócrates, à época dos factos ministro do Ambiente do segundo Governo de António Guterres e actual primeiro-ministro, não torna este caso especial.

Num Estado de Direito, a Justiça é igual para todos e estar em causa um primeiro-ministro não torna o caso diferente. Daí termos já criticado que o caso Freeport tenha um tratamento peculiar por parte do procurador-geral da República, Pinto Monteiro, e que a responsável pela investigação, Cândida Almeida, tenha assumido posições e feito declarações no mínimo bizarras sobre o processo. Mas também não é aceitável que se multipliquem as acusações e as fugas de informação, que parecem destinar-se a criar factores de diversão e a passar para a opinião pública a ideia de que há forças escondidas a tentar ilibar José Sócrates de algum suposto crime que, a existir, ninguém até agora provou. Não é por ser primeiro-ministro que José Sócrates tem que ser ilibado de acusações sem investigação, mas também não é por ser primeiro-ministro que há direito a fritá-lo em óleo brando na praça pública do mediatismo sem que nada se prove.

Num Estado de Direito, a Justiça funciona e esclarece a existência de crimes com celeridade e sem vir discutir o processo para a comunicação social. Seja sob a forma de fugas de informação, seja sob a forma de acusação de pressão aos magistrados. Sob pena de quando tudo isto acabar ninguém acreditar que, de facto, se fez justiça. É estar a ser dada uma machadada na credibilidade da democracia."
        (Destaques são da minha responsabilidade)                                                            São José Almeida - Jornalista

Sem comentários:

Enviar um comentário

BlogBlogs.Com.Br