Avaliar ou Classificar? Assim? Para quê?


Há um colaborador do Público (prof. Santana Castilho), que eu sigo com alguma atenção. É professor universitário e está atento às questões da Educação, mesmo e principalmente as não universitárias. Tem uma escrita fácil e é demolidor a desmontar a "tralha" do Ministério da Educação. No dia 15 saiu no Público mais uma crónica de sua autoria.


As boas consciências e as vitórias virtuais
Não fora tão curta a memória colectiva e ligeiro o modo como se passa pela vida e teríamos os portugueses, no mínimo, perplexos com o que lhes é dado observar. Depois de um ano ocupados com a discussão da avaliação do desempenho, que afastou a Escola da sua missão primeira - ensinar -, os factos mostram que a maioria dos professores aceitou hoje o que ontem havia rejeitado, de modo assaz peremptório. Que resta da unidade patente nas duas maiores manifestações de docentes jamais vistas? Muito, dir-me-ão, ao nível das consciências. Insuficiente, respondo, para contrapor ao fanatismo dos que mandam e querem reduzir o trabalho dos professores aos automatismos dos resultados.

Em Março de 2006, o presidente da Comissão para a Revisão dos Sistemas de Carreiras e Remunerações da Função Pública disse: "Não faz sentido que o Estado pague mais de 725 euros aos seus técnicos superiores, quando existem muitos licenciados disponíveis por esse preço". A esta lapidar política de recursos humanos, o secretário de Estado da Administração Pública acrescentou, dois anos mais tarde, a elegância dos meios escolhidos. Disse, então, Sua Excelência: "Trabalhadores, serviços e dirigentes que não estejam com a reforma da administração pública serão trucidados; (...) quem não cumprir as exigências da reforma será trucidado". Dado o mote, foi entregar a batuta à ministra, os bombos aos secretários de Estado e repetir até cansar o estribilho proposto pelo Goebbels do hemicirco: malhar! O assalto ao Agrupamento de Santo Onofre não deve, pois, surpreender as boas consciências. Opor consciências à brutalidade do cacete dá mártires, mas deixa a prepotência seguir. Por agora, esta é a situação.

Defendo a ideia de que a impropriamente chamada avaliação do desempenho (porque, em rigor, do que se tem tratado é da classificação do desempenho, coisa bem diferente), como conceito preponderante da gestão denominada moderna, sistematizada e enquistada em modelos, vem sendo aceite como os crentes aceitam os dogmas, isto é, com reverência sacra. A verdade, porém, é que essa avaliação do desempenho poderá servir organizações que tenham por objecto a produção de bens tangíveis, mas não servirá as instituições cujo fim é formar a pessoa integral. As sucessivas modas de gestão, de que a avaliação do desempenho é paradigma, têm-se preordenado para nos fazer evoluir de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado, que nenhuma Escola civilizada deverá aceitar. A Avaliação do Desempenho, Bolonha, Novas Oportunidades, Magalhães, Escola de Conveniência e todo o restante cortejo de fancaria pedagógica é o corolário de uma passividade cívica e de uma indolência de classe que se contenta com vitórias virtuais.

Os senhores do dinheiro, os sacerdotes dos resultados a 725 euros de salário, têm-se apossado, paulatinamente, de tudo o que reflectia e questionava. Sob o manto diáfano de Bolonha, entraram nas nossas universidades. Apearam a procura livre e autónoma do saber e colocaram no altar os resultados. O seu desígnio é transformá-las em sucursais empresariais devidamente uniformizadas. Desceram depois às escolas básicas e secundárias, transformaram-nas em casernas abertas 12 horas por dia e chamaram-lhes escolas a tempo inteiro. Encaixotaram a Filosofia, a História e a Literatura. Meteram os ciganos em contentores sob a epígrafe de "caso intermédio de integração". Chamaram a polícia quando entenderam.

Em nome da avaliação do desempenho, burocratizaram criminosamente e escravizaram com trabalho inútil. Num ano, transformaram a escola, lugar de cooperação por excelência, numa antecâmara de competição malsã. Meia dúzia de grelhas de classificação do desempenho que me foram dadas a examinar, concebidas para a atribuição da menção "Excelente", deixaram-me arrepiado por tipificarem tudo o que um professor não deve ser. Entendamo-nos. Desde sempre, todos os chefes competentes e todos os chefiados honestos concordaram com a necessidade de avaliar para gerir bem. Mas dificilmente alguém me convencerá de que é útil aplicar medidas de desempenho estereotipadas, normalizadas e gerais a tudo o que é diverso. Ou que se pode tudo medir e tudo indexar a resultados. É esta cultura de avaliação que contesto. É a relevância que se lhe atribui que repudio. É a passividade da sociedade face a esta versão moderna de fascismo que me preocupa.
Santana Castilho (os destaques são meus)


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