Eu Sou Português Aqui Eu sou português aqui em terra e fome talhado feito de barro e carvão rasgado pelo vento norte amante certo da morte no silêncio da agressão. Eu sou português aqui mas nascido deste lado do lado de cá da vida do lado do sofrimento da miséria repetida do pé descalço do vento. Nasci deste lado da cidade nesta margem no meio da tempestade durante o reino do medo. Sempre a apostar na viagem quando os frutos amargavam e o luar sabia a azedo. Eu sou português aqui no teatro mentiroso mas afinal verdadeiro na finta fácil no gozo no sorriso doloroso no gingar dum marinheiro. Nasci deste lado da ternura do coração esfarrapado eu sou filho da aventura da anedota do acaso campeão do improviso, trago as mão sujas do sangue que empapa a terra que piso. Eu sou português aqui na brilhantina em que embrulho, do alto da minha esquina a conversa e a borrasca eu sou filho do sarilho do gesto desmesurado nos cordéis do desenrasca. Nasci aqui no mês de Abril quando esqueci toda a saudade e comecei a inventar em cada gesto a liberdade. Nasci aqui ao pé do mar duma garganta magoada no cantar. Eu sou a festa inacabada quase ausente eu sou a briga a luta antiga renovada ainda urgente. Eu sou português aqui o português sem mestre mas com jeito. Eu sou português aqui e trago o mês de Abril a voar dentro do peito. Eu sou português aqui José Fanha |
Poesia do Urso - "Eu Sou Português Aqui"
A Democracia que merecemos
De vez em quando Alberto João Jardim vem à televisão e dá lições de democracia. Ninguém acredita, mas ele dá. Explica como a democracia se faz, quais as regras, o modo como se deve exercer, a forma como deve ser concebida. Jardim não tem dúvidas, sabe o que é a democracia, e há anos que consegue mostrar como na Madeira a democracia existe em todo o lado. Basta fazer o que ele diz, pensar como ele pensa, fazer as festas democráticas que ele faz, proferir os discursos que profere, fechar os jornais que ele acha que não são democráticos, afastar as pessoas que não correspondem aos seus ideais de democracia, e a democracia está assegurada.
Por vezes pasmamos com tanto descaramento, com a forma absolutamente despudorada como Alberto João Jardim nos diz que a democracia se concretiza. Mas é puro engano. Ele é que sabe. E tem um argumento de peso. Se o povo continua a dar-lhe a vitória, se os votos continuam a aparecer, se as urnas dizem sempre a mesma coisa, é porque o povo está com Alberto João Jardim, e o povo é o Alberto João e o Alberto João é a democracia. Raciocínios destes são puros como a água. As oposições deviam ser eliminadas (ou envenenadas, como na Ucrânia) porque se são apenas oposições, e não maioria, então é porque não têm o povo com elas e por isso são antidemocráticas.
Tão límpidas concepções políticas deviam ser explicadas a todos os portugueses. Por vez Alberto João tem ganas de vir por aí abaixo para pôr as coisas na ordem. Portugal está dominado por jornalistas corruptos, políticos corruptos, oposições (imaginem!), gente que não pensa como o Alberto João, e era preciso mudar o sistema, pôr esta choldra na ordem, impor pela força a verdadeira democracia.
Calculem que há dias o ex-comandante da Zona Marítima, tendo abandonado as suas funções, acabou por explicar qual a concepção democrática de Alberto João. E é elucidativo. Segundo o comandante Figueiredo Robles, ele, o ex-comandante, foi alvo de "pródigos insultos" que "só não abalaram a minha família e meus amigos porque estes conheciam os factos e, mais do que isso, estavam esclarecidos sobre a personalidade de quem as proferia". Tudo democrático, portanto. Foi tratado de "indisciplinado", "traumatizado", "desrespeitador", "colonialista" e "militar de Abril". Diz Robles Figueiredo que esta situação revelar-se-ia muito mais grave "se eu quisesse também referir os impropérios emitidos por alguns dos seus correligionários". E diz no final da carta que enviou: "Sr. dr. Jardim. Por muito que lhe custe, ficou evidente que a cultura do medo não me envolveu nos seus braços; contudo, curvo-me respeitosamente, isso sim, perante aqueles que, vivendo o quotidiano nessa região, ousam fazer da sua verticalidade um hino à coragem e à esperança."
Concluindo, a partir dos fragmentos citados nesta carta: Alberto João Jardim é um modelo de democracia. Quem quiser aprender que vá para a Madeira. As lições são gratuitas. Ouvindo e vendo a personagem na televisão, nós já desconfiávamos de que nem tudo batia certo. Tivemos agora a confirmação."
Eduardo Prado Coelho in Público de 2004
Inveja normal - Inveja patológica
José Gil escreveu "Portugal Hoje: O Medo de Existir". É professor catedrático de Filosofia na Universidade Nova de Lisboa e foi recentemente considerado pela revista "Nouvel Observateur" como "um dos 25 grandes pensadores de todo o mundo" e deu uma brilhante entrevista à Pública onde afirma que "em Portugal a inveja não é um sentimento, é um sistema". Acrescenta ainda que a sociedade portuguesa é paranóica e vive alimentada pelo medo: "o medo de experimentar, pelo medo do que irão dizer de nós", no que demonstra ser uma construção negativa da nossa identidade individual e social que, para funcionar num registo oposto, deveria assentar numa boa qualidade de relações afectivas e emocionais desde os tempos iniciais da vida.
De verdade, a segurança relacional, a que permite que uma pessoa olhe para si sem medo do que é, ou ainda daquilo que acha que aparenta ser, é uma construção da infância e só a adquire quem foi querido pelas suas coisas boas e contido e ajudado nas suas partes piores ou negativas. Implica uma cultura social e familiar de respeito e protecção à infância e à adolescência que ainda é raro conseguir-se, depois de muitos mil anos de desprezo, humilhação e ignorância sobre a importância dos primeiros tempos de vida.
Daí que José Gil acrescente ainda que "a nossa sociedade é infantil", no sentido de imatura, inconsistente, frágil, "mas sem o brilho das crianças", porque essas, quando conseguem manter a segurança e a alegria que lhes são particulares, têm de facto uma luz inimitável.
A inveja faz parte do desenvolvimento psíquico individual, embora os problemas possam surgir quando uma inveja normal, estruturante, ligada a uma identificação positiva do que é invejado, se transforma num afecto dominante na estrutura psíquica das pessoas, adquirindo uma dimensão verdadeiramente patológica. É claro que, essencialmente, tal só surge quando existem falhas graves e mantidas nas boas relações afectivas dos mais novos com quem deles cuida, ficando as crianças e os adolescentes (e, depois, os futuros adultos) sem capacidade de, pela ausência do modelo dos adultos, a integrarem, conterem e transformarem.
A inveja patológica demonstra o desejo de posse de algo, só existente pelo sentido de ausência, de perda, em que o bom é projectado para o que é do outro, sendo o mau posto por inteiro no próprio. A inveja pressupõe então um desejo de posse para a aniquilação ou destruição do que é invejado e, segundo interpretações da psicologia clássica, pode ser lida como uma forma de expressão da pulsão de morte, uma vez que a sua existência em larga escala não amplia, não transforma, não elabora nada da própria pessoa ou dos outros: apenas se apropria e extingue.
No momento actual da nossa sociedade, o livro e a entrevista de José Gil são de uma importância extraordinária, pois alertam de uma maneira muito perspicaz para os riscos sociais e individuais que todos vivemos. De uma maneira ou de outra, alerta para aquilo em que nos podemos tornar quando crescemos e nos formamos segundo modelos de relações pouco saudáveis, que não só não desenvolvem o melhor das nossas crianças, como as transformam em futuros adultos pouco felizes, rectos e justos. Ao não destacar o prazer de estar e se relacionar com os outros numa base segura, livre e de confiança, desenvolve muitos sentimentos paranóicos, como o mesmo autor também destaca, naquilo que ele próprio designa por uma "transferência psicótica".
Por isso, as nossas crianças e adolescentes precisam de ser olhadas de uma outra maneira. Precisam de alguém que goste delas, que de uma maneira equilibrada, continuada, previsível, lhes desenvolva padrões de ligação seguros, que as deixem confiantes em si próprias e no mundo que as rodeia. É esta a base da normal vivência psíquica, onde, quando tudo corre pelo melhor, há um mundo interior que deseja conhecer, que tem gosto em descobrir, que sonha agir na realidade o que de melhor sente ou pensa. Só pode haver pensamento depois de uma pessoa comunicar com outra e de essa comunicação ser emocionalmente gratificante, e isso molda-se desde os primeiros tempos de vida e, continua-se depois, vida fora, pelo que as crianças encontram no mundo das relações extrafamiliares, da escola, das comunidades, da sociedade. José Gil alerta para a importância "de um fora", no sentido da necessidade de uma relação com os outros e suas realidades feita de uma forma rica e plural. Em Portugal, hoje, "partimos sempre do princípio de que o que vão dizer de nós é negativo, desvalorizante. Vão-nos decerto criticar. Isso cria um medo que paralisa", acrescenta o autor. E, de verdade, se olharmos bem à nossa volta, não é isto do que mais damos às nossas crianças e adolescentes?
Assim, não é difícil dizer que há uma inveja à solta que neutraliza, como teia de uma aranha invade e prende, engolfa a sua presa, torna-a submissa, e o tempo deixa de correr, porque o espaço se torna imóvel, ou então, mata-a, fá-la desaparecer e na teia não resta nada senão um lugar vazio para quem vier a seguir. Há uma inveja à solta que não é de agora, é antiga, vem de tempos imemoriais, é infantil porque é tecida num passado erguido num bordado de relações que aniquila, apaga, ao invés de expandir a luz que cada um tem, a parte melhor que dá ou recebe dos outros. É uma erva daninha essa inveja que cresce sem que ninguém dê por ela, rasteira, miúda, mas obsessivamente agressiva, em muitos instantes mortífera, capaz de alastrar para o terreno à volta só para que nada mais possa crescer, uma espécie de bruxa que se zanga sempre que o espelho a não confirma. Inveja, coisa ruim que acontece muitas vezes sem que o sol a conheça, engendrada na noite escura dos pesadelos, inveja mercenária de quem não se suporta, de quem não ama a outro ou a nada que não ele. Inveja desejo de posse, afinal, parte que se apropria e extingue pelo simples prazer de nada ver, pela profunda tristeza de não conseguir ser.
Contra a inveja, uma só certeza - o poder amar, a vontade de crescer, o sonho de uma criança, a vida pura, partilhada, o gosto de entender que uma boa parte de nós, sem o outro, não é nada, e com ele será tudo.
Para que se possa viver sem medo de existir.
PEDRO STRECHT in Público de 2005 (destaques são meus)
Democracia Deliberativa
A democracia deliberativa afirma a necessidade de justificar as decisões tomadas pelos cidadãos e pelos seus representantes. Espera-se que ambos justifiquem as leis que querem impor uns aos outros. Numa democracia, os líderes devem dar razões que justifiquem as suas decisões e responder às razões que, por sua vez, são apresentadas pelos cidadãos. Mas a deliberação não é necessária para todos os assuntos, nem é necessária em todas as situações. A democracia deliberativa deixa lugar para outros processos de tomada de decisão — incluindo negociações entre grupos e operações secretas ordenadas pelo poder executivo —, desde que tenham eles próprios usado estas formas de justificação num momento qualquer do processo deliberativo. A sua primeira e mais importante característica é, então, o requisito de fornecer razões.
As razões que a democracia exige aos cidadãos e aos seus representantes devem remeter para os princípios que os indivíduos tentam encontrar através de um processo de cooperação justo, que não podem razoavelmente rejeitar. As razões não são meramente processuais (por exemplo, um país entrar em guerra porque "essa é a vontade da maioria") nem meramente substantivas (por exemplo, porque a "guerra promove o interesse nacional ou a paz mundial"). São razões que devem ser aceites por pessoas livres e iguais que procuram formas de cooperação justas.
A base moral do processo de fornecer razões é comum a diversas concepções de democracia. As pessoas devem ser tratadas não como meros objectos das leis ou como sujeitos passivos da governação, mas como agentes autónomos que participam directamente ou através dos seus representantes no governo da sua própria sociedade. Na democracia deliberativa, uma forma importante de participação dos agentes consiste em apresentar ou dar razões, ou em exigir que os governantes o façam, com o objectivo de justificar as leis que regulam a convivência mútua. Essas razões servem tanto para produzir uma decisão justificada como para expressar o valor do respeito mútuo. Não é suficiente que os cidadãos afirmem o seu poder através de negociações baseadas no interesse de grupos particulares ou através de eleições. Por exemplo, não faz sentido sugerir que a decisão de entrar em guerra deva ser determinada por um jogo de interesses ou que deva estar sujeita a referendo. As afirmações de poder e as expressões da vontade, embora sejam obviamente elementos centrais da política democrática, devem ser racionalmente justificadas. Quando um governo apresenta uma razão fundamental para justificar a guerra e depois se descobre que é falsa ou, o que é pior, enganadora, deve-se não apenas questionar as razões que justificaram a guerra, mas também o respeito que o governo tem pelos cidadãos.
Uma segunda característica da democracia deliberativa é que as razões dadas neste processo devem ser acessíveis a todos os cidadãos interessados. Para justificar uma imposição sobre a sua vontade, os seus concidadãos devem apresentar razões que sejam compreensíveis para eles. Se o objectivo é impor a sua vontade aos outros, então isso é o mínimo que lhes deve ser exigido. Este tipo de reciprocidade significa que as razões devem ser públicas em dois sentidos. Primeiro, significa que a própria deliberação não deve ocorrer apenas na intimidade da consciência de alguém, mas que deve ser pública. Neste sentido, a democracia deliberativa contrasta com a concepção de democracia de Rousseau, na qual os indivíduos reflectem sobre o que será correcto para a sociedade como um todo, e depois juntam-se em assembleia para votar em conformidade com a vontade geral.
O outro sentido em que as razões devem ser públicas diz respeito ao consentimento. Uma justificação deliberativa não se inicia sequer se aqueles a quem se dirige não estiverem em condições de entender o seu conteúdo essencial. Por exemplo, não é aceitável apelar apenas para a autoridade da revelação, seja de natureza divina ou secular. A maior parte dos argumentos para entrar em guerra com o Iraque apelavam às evidências e a crenças acessíveis a qualquer pessoa. Embora o Presidente Bush tivesse dito que pensava ter Deus do seu lado, não assentava o seu argumento em qualquer tipo de instrução especial originária do seu aliado divino (que podia ou não ter entrado na coligação).
Na verdade, algumas das evidências apresentadas pelos dos dois lados do debate eram técnicas (por exemplo, relatórios dos inspectores da ONU). Mas esta é uma ocorrência comum nos governos modernos. Os cidadãos têm frequentemente que confiar em peritos. Isso não significa que as razões ou a sua fundamentação sejam inacessíveis. Os cidadãos têm razões para confiar nos peritos se estes descreverem a base das suas conclusões de uma forma tal que os cidadãos as possam entender, e se estes tiverem outras razões independentes para acreditar que os peritos são confiáveis (como, por exemplo, outras avaliações correctas que os peritos tenham feito no passado, ou uma estrutura de tomada de decisão que contém verificações realizadas por peritos que tenham razões para exercer o escrutínio crítico sobre quaisquer outros).
Em rigor, a administração Bush fundamentou amplamente a sua decisão de entrar em guerra em informações fornecidas pelos serviços secretos. Na altura, os cidadãos não estavam em condições de aferir do valor dessas informações, nem de aferir da sua importância para a justificação da administração. Em princípio, usar este tipo de informação não viola necessariamente a condição da acessibilidade se forem apresentadas boas razões para manter a confidencialidade e se posteriormente forem criadas oportunidades para reavaliar a sua evidência, o que acabou por acontecer neste caso, pois as razões foram efectivamente questionadas e depois verificou-se que eram bastante duvidosas. A democracia deliberativa teria sido melhor servida se as razões pudessem ter sido avaliadas antes da tomada de decisão.
A terceira característica da democracia deliberativa refere-se ao facto de ser um processo que visa produzir uma decisão que seja vinculativa por um certo período de tempo. Deste modo, o processo deliberativo não é como um talkshow ou como um seminário académico. Os participantes não discutem só por discutir; nem sequer por amor à verdade (embora a solidez dos seus argumentos seja uma virtude deliberativa, já que é uma condição necessária da justificação da decisão). Envolvem-se numa discussão para influenciar a decisão que o governo tomará ou o processo que afectará o modo como as suas decisões serão tomadas no futuro. A determinada altura, o processo deliberativo cessa temporariamente e os líderes decidem. O presidente manda as tropas para a guerra, a legislatura aprova a lei e os cidadãos votam para eleger os seus representantes. O processo de deliberação acerca da decisão de entrar em guerra com o Iraque durou algum tempo, mais do que é habitual nestas circunstâncias. Algumas pessoas achavam que devia continuar por mais algum tempo (por exemplo, para permitir que os inspectores da ONU pudessem terminar os seus trabalhos). Só que num dado momento o presidente teria de decidir se entrava ou não em guerra e uma vez tomada essa decisão, cessaria o processo deliberativo.
Ao mesmo tempo, um processo de deliberação similar mas sobre uma questão significativamente diferente continuou: seria a decisão inicial justificável? Aqueles que a questionaram, não o faziam por acreditar que podiam voltar atrás, mas para lançar dúvidas sobre a competência ou a avaliação da administração de Bush. Também procuravam influenciar decisões futuras — pressionando a ONU e outras nações para se envolverem no esforço de reconstrução do Iraque ou apenas tentando reduzir as possibilidades de reeleição de Bush.
O facto de a discussão continuar ilustra a quarta característica da democracia deliberativa — trata-se de um processodinâmico. Embora a deliberação vise uma decisão justificável, não pressupõe que seja efectivamente justificável, no sentido em que uma justificação actual tenha um alcance futuro indefinido. Mantém-se aberta a possibilidade de um diálogo contínuo, através do qual os cidadãos podem criticar decisões anteriores e seguir em frente em razão dessas críticas. Embora uma decisão possa valer durante algum tempo, é sempre provisória no sentido em que pode sempre ser reavaliada. Esta é uma característica da democracia deliberativa que é ignorada até pela maioria dos seus defensores. […]
Os democratas deliberativos preocupam-se tanto com o que acontece depois de uma decisão como com o que acontece antes. Manter o processo de tomada de decisão em aberto — reconhecendo o seu carácter provisório — é importante por duas razões. Primeiro, na política como na vida prática, os processos de tomada de decisão e os processos de compreensão de que dependem são imperfeitos. Não podemos afirmar que as decisões que tomamos hoje se revelem correctas amanhã, e mesmo aquelas decisões que no presente pareçam bastante consistentes, podem parecer menos justificáveis à luz de novas evidências. Mesmo no caso daquelas decisões que são irreversíveis, como a decisão de atacar o Iraque, novas reavaliações podem conduzir a escolhas diversas das que foram tomadas inicialmente. Segundo, a maior parte das decisões na política não são consensuais. Aqueles cidadãos e os seus respectivos representantes que discordam da decisão inicial poderão vir a aceitá-la se considerarem que no futuro terão a oportunidade de alterar.
Uma implicação importante da natureza dinâmica da democracia deliberativa é que exige que a discussão constante respeite aquilo que designamos por princípio da economia do desacordo moral. Ao fornecer razões para as suas decisões, os cidadãos e os seus representantes devem procuram encontrar justificações que minimizem as suas diferenças relativamente aos seus opositores. Os democratas deliberativos não esperam que seja sempre possível chegar a acordo. O modo como os cidadãos lidam com o desacordo, que é endémico à vida política, deve ser uma questão central de qualquer democracia. Praticar a economia do desacordo moral promove o valor do respeito mútuo (que é o núcleo da democracia deliberativa). Ao economizar nos seus desacordos, os cidadãos e os seus representantes podem continuar a trabalhar em conjunto para aproximar posições, se não em relação às políticas que estão na origem do desacordo, pelo menos em relação às políticas em que há elevadas probabilidades de consenso. A cooperação para a reconstrução do Iraque não requer que as partes concordem com a decisão inicial de entrar em guerra. Questionar o patriotismo daqueles que criticam a guerra com o Iraque, ou opor-se aos custos de manutenção das tropas, não promove a economia do desacordo moral.
Combinando estas quatro características, podemos definir a democracia deliberativa como uma forma de governo através da qual cidadãos livres e iguais (e respectivos representantes) justificam decisões através de um processo em que trocam razões que sejam mutuamente aceitáveis e geralmente acessíveis, com o objectivo de chegar a conclusões que sejam vinculativas no presente para todos os cidadãos, mas que estejam abertas a reavaliação futura. Esta definição deixa obviamente em aberto algumas questões. Podemos melhorá-la e defender os seus pressupostos avaliando em que medida a democracia deliberativa é democrática; para que serve; por que é melhor que as alternativas disponíveis; que tipos de democracia deliberativa são justificáveis; e como podemos responder aos críticos.
25 Abril
[Comemoramos] O "dia inicial inteiro e limpo" [Sophia de Mello Breyner]? Mas que resta desse dia? As ruínas de uma história que se perdeu nela própria. A avenida encher-se-á, como de hábito, e os discursos, no Rossio, alegres e decididos, dissimulam a melancólica gravidade de uma peregrinação que se faz por uma memória feliz, tornada triste e antiga.-Ocultamos a dor do que perdemos, é isso. A multidão reflui, gritando estribilhos antigos, miméticos e elementares. "Fascismo nunca mais!" "O poder está no povo!" "Os ricos que paguem a crise!" Animamos a nossa profunda descrença, com a ressurreição nostálgica de um tempo delido que vai ficando efeméride.-Fomos envelhecendo e agarramo-nos à data como quem não quer extraviar-se da irremediável perda da juventude. Porque éramos todos muito novos; ou, pelo menos, muito mais novos. Olhamo-nos, saudamo-nos uns aos outros, joviais e excessivos. Porém, pertencemos a outra história. Festejamos o dia como se o dia representasse a rapariga, a festa, a alacridade e as cores da adolescência. A rapariga já não possui segredos, a festa emudeceu, a alacridade acabrunhou-se, as cores oscilam entre a metáfora e o que imaginamos.
25 Abril
25 Abril
Cronologia parcial da Revolução:
24/4/74 - 20:00 - PREPARATIVOS PARA A TRANSMISSÃO DA 2.ª SENHA
25 Abril
25 Abril
25 Abril
Avaliar ou Classificar? Assim? Para quê?
As boas consciências e as vitórias virtuais
Não fora tão curta a memória colectiva e ligeiro o modo como se passa pela vida e teríamos os portugueses, no mínimo, perplexos com o que lhes é dado observar. Depois de um ano ocupados com a discussão da avaliação do desempenho, que afastou a Escola da sua missão primeira - ensinar -, os factos mostram que a maioria dos professores aceitou hoje o que ontem havia rejeitado, de modo assaz peremptório. Que resta da unidade patente nas duas maiores manifestações de docentes jamais vistas? Muito, dir-me-ão, ao nível das consciências. Insuficiente, respondo, para contrapor ao fanatismo dos que mandam e querem reduzir o trabalho dos professores aos automatismos dos resultados.Em Março de 2006, o presidente da Comissão para a Revisão dos Sistemas de Carreiras e Remunerações da Função Pública disse: "Não faz sentido que o Estado pague mais de 725 euros aos seus técnicos superiores, quando existem muitos licenciados disponíveis por esse preço". A esta lapidar política de recursos humanos, o secretário de Estado da Administração Pública acrescentou, dois anos mais tarde, a elegância dos meios escolhidos. Disse, então, Sua Excelência: "Trabalhadores, serviços e dirigentes que não estejam com a reforma da administração pública serão trucidados; (...) quem não cumprir as exigências da reforma será trucidado". Dado o mote, foi entregar a batuta à ministra, os bombos aos secretários de Estado e repetir até cansar o estribilho proposto pelo Goebbels do hemicirco: malhar! O assalto ao Agrupamento de Santo Onofre não deve, pois, surpreender as boas consciências. Opor consciências à brutalidade do cacete dá mártires, mas deixa a prepotência seguir. Por agora, esta é a situação.Defendo a ideia de que a impropriamente chamada avaliação do desempenho (porque, em rigor, do que se tem tratado é da classificação do desempenho, coisa bem diferente), como conceito preponderante da gestão denominada moderna, sistematizada e enquistada em modelos, vem sendo aceite como os crentes aceitam os dogmas, isto é, com reverência sacra. A verdade, porém, é que essa avaliação do desempenho poderá servir organizações que tenham por objecto a produção de bens tangíveis, mas não servirá as instituições cujo fim é formar a pessoa integral. As sucessivas modas de gestão, de que a avaliação do desempenho é paradigma, têm-se preordenado para nos fazer evoluir de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado, que nenhuma Escola civilizada deverá aceitar. A Avaliação do Desempenho, Bolonha, Novas Oportunidades, Magalhães, Escola de Conveniência e todo o restante cortejo de fancaria pedagógica é o corolário de uma passividade cívica e de uma indolência de classe que se contenta com vitórias virtuais.Os senhores do dinheiro, os sacerdotes dos resultados a 725 euros de salário, têm-se apossado, paulatinamente, de tudo o que reflectia e questionava. Sob o manto diáfano de Bolonha, entraram nas nossas universidades. Apearam a procura livre e autónoma do saber e colocaram no altar os resultados. O seu desígnio é transformá-las em sucursais empresariais devidamente uniformizadas. Desceram depois às escolas básicas e secundárias, transformaram-nas em casernas abertas 12 horas por dia e chamaram-lhes escolas a tempo inteiro. Encaixotaram a Filosofia, a História e a Literatura. Meteram os ciganos em contentores sob a epígrafe de "caso intermédio de integração". Chamaram a polícia quando entenderam.Em nome da avaliação do desempenho, burocratizaram criminosamente e escravizaram com trabalho inútil. Num ano, transformaram a escola, lugar de cooperação por excelência, numa antecâmara de competição malsã. Meia dúzia de grelhas de classificação do desempenho que me foram dadas a examinar, concebidas para a atribuição da menção "Excelente", deixaram-me arrepiado por tipificarem tudo o que um professor não deve ser. Entendamo-nos. Desde sempre, todos os chefes competentes e todos os chefiados honestos concordaram com a necessidade de avaliar para gerir bem. Mas dificilmente alguém me convencerá de que é útil aplicar medidas de desempenho estereotipadas, normalizadas e gerais a tudo o que é diverso. Ou que se pode tudo medir e tudo indexar a resultados. É esta cultura de avaliação que contesto. É a relevância que se lhe atribui que repudio. É a passividade da sociedade face a esta versão moderna de fascismo que me preocupa.Santana Castilho (os destaques são meus)
Operário em Construção
Ao Salgueiro Maia

Aquele que na hora da vitória
Respeitou o vencido
Aquele que deu tudo e não pediu a paga
Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite
Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com sua ignorância ou vício
Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»
Como antes dele mas também por ele
Pessoa disse.
Sei que não vou por aí...
Nos dias difíceis que hoje vivemos, é bom que saibamos por onde queremos ir.
Hiperactivos ou Mal Educados?
"Um dia uma encarregada de educação, revoltada com a escola e as constantes chamadas de atenção, levou o filho ao pedopsiquiatra. Movia-a o desejo de obter uma declaração a catalogar a criança de hiperactiva para a "esfregar"(termo seu) na cara da Directora de Turma.Fez consulta e duas sessões. Veredicto: minha senhora o seu filho não é hiperactivo é mal educado!Abençoado médico. Mas estes não abundam, ganham mais dinheiro se alimentarem a ideia da hiperactividade e daqueles famosos comprimidos de ritalina que até já são ministrados a alunos do 1º ciclo."
Flor de Lótus
Maquina SONY
Modelo DSC-H7
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Abertura 50/10
ISO 100
MeteringMode 5
Flash 16
Dist.Focal 780/10
Ao Fernando Sottomayor
10:00 de 25/4/74 - REGIMENTO DE CAVALARIA 7 - FORÇAS DO REGIME.Com a sua força já diminuída pela adesão ao Movimento do Asp. David e Silva e pela rendição do Ten.Coronel Ferrand de Almeida, o Brigadeiro Junqueira dos Reis divide a sua força em dois grupos, avançando com dois M/47 pela Avenida Ribeira das Naus, comandados pelo Asp. Sottomayor. Seguem também atiradores do RI1 da Amadora e uma pequena força de Lanceiros 2, segue como supervisor o Major Pato Anselmo. O Brigadeiro Junqueira dos Reis acompanha o força. O Cap. Salgueiro Maia segue em direcção à força com um lenço branco. O Brigadeiro ordena a Salgueiro Maia que vá para a retaguarda da sua força. Salgueiro Maia propõe que falem a meia distância das duas forças. O Brigadeiro ordena ao Asp. Sottomayor para abrir fogo sobre Salgueiro Maia, este recusa e de imediato ouve voz de prisão. Dá de seguida a mesma ordem aos apontadores dos carros de combate que também recusam. O Brigadeiro não conseguindo atingir os seus objectivos dirige-se para a Rua do Arsenal onde o resto da coluna se encontrava com o Coronel Romeiras.10:30 de 25/4/74 - REGIMENTO DE CAVALARIA 7 - FORÇAS DO REGIME.O Major Pato Anselmo é deixado sozinho pelo Brigadeiro, na Av. Ribeira das Naus. O Major Jaime Neves vai tentar obter a sua rendição, vai acompanhado pelo Cap. Tavares de Almeida e Asp. Miliciano Maia Loureiro. A rendição é rapidamente conseguida. As torres do dois M/47 são rodadas de 180 graus e o Movimento passa a contar com mais dois carros de combate. Todo o pessoal apeado também se entrega. Os dois carros dirigem-se de imediato para a Rua do Arsenal, onde se encontrava o que restava da força de Cavalaria.10:45 de 25/4/74 - REGIMENTO DE CAVALARIA 7 - FORÇAS DO REGIME.O Tenente Santos Silva vai tentar negociar com o Brigadeiro, na Rua do Arsenal, não sendo bem sucedido. Pouco depois, e sem saber o sucedido, o Tenente Assunção aproxima-se do Brigadeiro que dá ordem de fogo, sem ser obedecido. O Coronel Romeiras aconselha calma e interpõe-se entre as armas e o Tenente Assunção. O Brigadeiro, em ira, agride o Ten. Assunção. Este faz continência e retira-se.
Crise Académica de Coimbra - 1969
“Há momentos que passam. Há outros que fazem a História. Entre 1965 e 1968 a Associação Académica de Coimbra foi liderada por uma Comissão Administrativa nomeada pelo Governo. Durante essa fase os estudantes foram impedidos de participar no Senado e Assembleia da Universidade de Coimbra.
Após um abaixo-assinado, subscrito por 2500 estudantes pedindo eleições livres na AAC, realizaram-se novamente eleições para a Académica em Fevereiro de 69. Deste acto eleitoral saiu vencedora a lista do Conselho das Repúblicas, com 75% dos votos.
Um mês mais tarde a DG/AAC é convidada para a cerimónia de inauguração do edifício das Matemáticas, não só aceitando o convite, como manifestando a intenção de interferir na referida cerimónia.
Essa pretensão, comunicada ao Reitor de então, foi liminarmente recusada já que “O Reitor, que iria discursar, já representava a Universidade” e a intenção dos estudantes falarem prejudicaria as “prescrições protocolares”.
Na manhã de 17 de Abril de 1969, em frente ao Edifício das Matemáticas, milhares de estudantes mostravam palavras de ordem “Ensino para todos”, “Estudantes no Governo da Universidade”, “Exigimos diálogo”.
No interior do Edifício, Alberto Martins, Presidente da DG/AAC pede a palavra ao Presidente da República, Américo Tomás “Sua Ex.ª, Senhor Presidente da República, dá-me licença que use da palavra nesta cerimónia em nome dos estudantes da Universidade de Coimbra?” A palavra foi-lhe negada e a cerimónia terminada abruptamente.
Nessa mesma noite, Alberto Martins é detido à porta da Associação Académica de Coimbra. Centenas de estudantes são nessa noite alvo de uma carga policial à frente da PIDE, para onde se haviam mobilizado em solidariedade para com Alberto Martins. Vários episódios de luta, unidade e solidariedade se seguiram por parte dos estudantes da Universidade de Coimbra. O Governo respondia com mais censura, opressão e perseguição aos desalinhados do regime.
Neste dia, se calhar como nunca no passado, a Academia de Coimbra soube dizer não perante um regime e uma sociedade injustas e desiguais. Talvez aqui, tenha sido o início do fim do regime.
Em resposta a todo este clima, a Academia reúne em Assembleia Magna, no ginásio da AAC com a presença de milhares de estudantes e dos professores Orlando de Carvalho e Paulo Quintela. Assim, é decretado o luto académico sob a forma de greve às aulas, transformadas em debate sobre os problemas dos departamentos e das Faculdades da Universidade de Coimbra, bem como do País.
No dia 30 de Abril, numa comunicação televisiva, o Ministro da Educação Nacional, José Hermano Saraiva, acusava os estudantes de desrespeito, insultos ao Chefe de Estado e do crime de sediação. Conclui, a dizer “que a ordem será restabelecida em Coimbra”.
Neste contexto, cerca de 4000 estudantes marcaram presença na Assembleia Magna que se realizou no Pátio dos Gerais, no dia 1 de Maio, repudiando juntamente com o corpo docente, as afirmações do Ministro da Educação Nacional e reafirmando a convicção na construção de uma Universidade nova.
De seguida, por despacho de José Hermano Saraiva, verificava-se o encerramento antecipado da UC até ao início dos exames. Deste modo, a Assembleia de Estudantes Grelados deliberava cancelar a Queima das Fitas num acto de solidariedade para com a Academia e dirigentes associativos suspensos. “Jamais aceitaremos que a alegria se confunda com a irresponsabilidade…”, dizia o comunicado.
No dia 28 de Maio, na maior Assembleia Magna da história da Academia com a presença de cerca de 6 mil estudantes, é decretada a abstenção aos exames. Foi ainda deliberada a “Operação Flor” e a “Operação Balão”, em que flores e balões eram distribuídos como forma de protesto enquanto não se procedesse ao levantamento das suspensões e dos processos de inquérito, exigindo-se ainda que não fossem marcadas faltas durante o luto académico.
No início da época de exames, dia 2 de Junho, Coimbra acorda sitiada. Destacamentos da GNR, PSP e da Polícia de choque ocupam a Universidade.
No final da Taça de Portugal entre a Académica e o Benfica, no dia 22 de Junho, o jogo transformou-se em manifestação contra o regime e cerca de 35 mil comunicados foram distribuídos à sociedade civil, nos quais estavam expostas as razões da luta estudantil. Excepcionalmente, o jogo não foi transmitido pela RTP e pautou-se pela ausência do Presidente da República.
No mês de Julho, o Governo alterava a lei de adiamento da incorporação militar de modo a fazer depender da prorrogativa “o bom comportamento escolar” do estudante. Ao abrir da nova legislação, meia centena de estudantes eram chamados ao serviço militar.
A crise académica de Coimbra tinha conduzido a uma remodelação política no sector educacional do governo. O Ministro da Educação Nacional é demitido e substituído por Veiga Simão. Na Universidade de Coimbra, Gouveia Monteiro é o escolhido do novo ministro para o cargo de Reitor, numa tentativa de pacificação da situação académica. Deste modo, abria-se o caminho às reformas e democratização das estruturas universitárias que, cinco anos mais tarde, o 25 de Abril de 1974 viria consagrar.”
Que mil flores desabrochem. Que mil flores
(outras nenhumas) onde amores fenecem
que mil flores floresçam onde só dores
florescem.Que mil flores desabrochem. Que mil espadas
(outras nenhumas não)
onde mil flores com espadas são cortadas
que mil espadas floresçam em cada mão.Que mil flores floresçam
onde só penas são.
Antes que amores feneçam
que mil flores desabrochem. E outras nenhumas não.
Também é possível, hoje, vermos algumas imagens da época:
Jorge Sampaio, participante activo, na altura, associou-se às comemorações do 30º aniversário e discursou na Sessão Solene. Veja o discurso, do então Presidente da Républica, aqui.