Ler não é soletrar



António Barreto , sociólogo, investigador, numa entrevista à "Revista LER" (Março 2009), aborda, em dada altura, a questão do livro na sociedade actual. Ler? Quando?, Como?, Em que espaço/tempo?


"É verdade. Creio que é eterno [o livro] mas creio que o consumo do que está dentro vai ser cada vez maior por outros meios. O livro como objecto, tal como o conhecemos hoje, vai ter tiragens menores, vai ter menor propagação."
"O online substitui-os. Podemos sempre argumentar que o online pode dar coisas que os jornais não dão, nalguns casos pode ser melhor do que os jornais são.[...] Agora, o modo de leitura, a pausa, o sossego, a ponderação, a moderação, a reflexão, a notação, a posição pessoal, geográfica, física com que você lê jornais e lê livros, tudo isso está em vias de extinção, a benefício dessas novas formas que são mais rápidas, que seguramente proporcionam menos reflexão..."
"... [A minha] nostalgia é por causa do tempo de meditação, do tempo de leitura, do tempo de saborear, do tempo de ponderar o que se está a ler, de parar, voltar, recomeçar. Ler implica ter uma vida para a leitura; que na sua vida tem de haver espaço para a leitura."
"Os portugueses tratam mal a leitura. [...] Por uma razão muito simples: os portugueses aprenderam a ler muito tarde. [...] Quando, na nação portuguesa, metade ou dois terços das pessoas souberam ler, isso aconteceu com mais de um século de atraso, pelo menos, em relação a países como a Inglaterra, a Dinamarca e a Suécia. Isto está estudado. Imprimem-se em Portugal tantos jornais diariamente como num bairro de Nova Iorque. As comparações são terríveis. De facto, o jornal nunca foi um hábito. As fontes de notícias e de entretenimento, que são a rádio e a televisão, vieram muito antes."
"... a escola hoje destrói a leitura. Seja com a análise estruturalista e linguística dos textos, seja pela ideia de que a escola tem de ser mais projecto e mais mil uma coisas..."
"A literacia computacional não é um erro. Eu tive de aprender, já tarde. De facto, o computador, a informática, a Internet podem transformar-se num instrumento de trabalho, de conhecimento e de comunicação importantes. [Mas] a maneira como o governo aposta na informática, sem qualquer espécie de visão crítica das coisas, se gastasse um quinto do que gasta, em tempo e em recursos, com a leitura, talvez houvesse em Portugal um pouco mais de progresso. O Magalhães, nesse sentido, é o maior assassino da leitura em Portugal. Chegou-se ao ponto de criticar aquilo a que chamaram . O que é terrível. É a condenação do livro. [...] [O Magalhães] foi transformado numa espécie de bezerro de ouro da nova ciência e de uma nova cultura, que, em certo sentido, é a destruição da leitura."
                                                                                           António Barreto in "Revista LER" 

voltar ao topo

Sem comentários:

Enviar um comentário

BlogBlogs.Com.Br